Um pouco do dia a dia de special situations

Daniel Kalansky

Estou muito feliz em iniciar, a convite do Migalhas, esta coluna sobre Special Situations. Venho me dedicando há alguns anos a esta área e resolvi aceitar o desafio de compartilhar um pouco do meu dia a dia nesta área tão intrigante, complexa, arrojada e multidisciplinar. Na coluna de hoje vou apenas dar um spoiler de alguns dos temas que pretendo tratar, baseado no que tenho visto e vivido nos últimos anos, para depois periodicamente destrinchar cada um dos temas. Aproveitarei também para, sempre que possível, indicar materiais interessantes de leitura para aqueles que queiram se aprofundar mais no assunto.

Inicialmente, e para que estejamos todos na mesma página, é importante falar sobre o que é Special Situation. Trata-se, basicamente, da investimentos em ativos alternativos e de alto retorno financeiro, com elevada complexidade jurídica. A estratégia de Special Situations vem ganhando bastante destaque, principalmente quando falamos em investimentos em ativos judiciais, que possuem características de retornos descorrelacionados com as demais classes de ativos por dependerem justamente de fatores muito particulares para sua realização, como, por exemplo, uma decisão judicial. São inúmeras as formas para realização desse tipo de investimento, de forma que a criatividade é característica fundamental para aqueles que pretendem atuar nesse setor.

No Direito de Família, por exemplo, as oportunidades têm sido cada vez mais crescentes para essa classe de investimento. Infelizmente, são muito comuns as brigas nas famílias. Não raro, tenho sido surpreendido com situações em que herdeiros foram alijados da herança, ou casais se divorciaram, mas a divisão não ocorreu dentro dos parâmetros legais. Já tivemos também que examinar casos de reconhecimento de paternidade em que a tábua de salvação, para proporcionar paridade de armas, foi recorrer a fundos de investimento que financiam litígios ou que antecipam créditos de herança para combater grandes disputas familiares. Certamente teremos muitos assuntos para tratar nessa interface que ocorre nas disputas familiares e as oportunidades que se apresentam aos fundos de investimento.

Outro assunto que temos vivenciado com os fundos de investimento são situações de recuperação internacional de ativos. Imaginem situações em que um crédito foi inadimplido, porém, sabe-se que o devedor vive muito bem em Miami. Ou, voltando ao Direito de Família, casos em que uma pessoa que se separou nem sabia que o seu cônjuge tinha contas no exterior e apartamentos fora do Brasil que não foram objeto de partilha. Ainda, pensem em situações de empresas que faliram, mas, antes da falência, os sócios desviaram bens para o exterior. Como recuperar todos esses bens em casos envolvendo diversas jurisdições sem poder contar com fundos que financiem tais tipos de litígios?

Os litígios coletivos também têm ganhado holofotes para os fundos de investimento. Na esfera do Direito Ambiental, são situações em que danos ambientais tenham ocorrido e provocado prejuízos em determinada região. No Mercado de Capitais, existem casos em que minoritários de companhias abertas tenham sofrido prejuízos. Há vários assuntos que pretendo tratar neste tema, principalmente envolvendo a questão da jurisdição fora do Brasil para este tipo de litígio, o que tem sido objeto de muita controvérsia.

Para aquecer os motores e para aqueles que gostam do assunto, em relação aos litígios coletivos já começo com uma recomendação de filme nesta coluna: Dark Waters – O Preço da Verdade. No filme, Robert Bilott (Mark Ruffalo) é um advogado corporativo de defesa, tendo ganhado prestígio trabalhando em casos de grandes empresas de químicos. Quando um fazendeiro chama sua atenção para mortes de gado que podem estar ligadas ao lixo tóxico de uma grande empresa, ele embarca em uma luta pela verdade, em um processo judicial que dura anos. Como combater uma luta destas sem contar com um fundo de investimento que esteja disposto a financiar um litígio complexo como este?

Estes são apenas alguns exemplos de temas que pretendo trazer. Há muitos outros ainda para tratar, como discussões envolvendo cessão de crédito trabalhista, disputas privadas, ativos estressados, DIP Financing, oportunidades existentes em massas falidas, operações estruturadas, operações de M&A em situações de distress, aquisição de créditos públicos, precatórios e muito mais. Nesta coluna pretendo trazer diferentes visões, seja sob o prisma do advogado, seja do fundo de investimento, das partes envolvidas e também falar do protagonismo do diretor jurídico, que pode gerar receitas em sua respectiva empresa, junto aos fundos de investimento dedicados a compra de ativos judiciais ou de financiamento de litígios.

Tratando de departamentos jurídicos de empresas, recentemente fui convidado para dar uma palestra para uma grande empresa sobre como os fundos de financiamento de litígios poderiam ser úteis para aquela empresa. Para dar a palestra, recorri a uma excelente publicação feita por um fundo de litígios internacional chamada “A Good Offense: The Therium Guide to Creating an Affirmative Recovery Program“. A publicação era destinada a educar as empresas e seus departamentos jurídicos sobre a importância de monetizar seus ativos judiciais.

De acordo com a publicação, os departamentos jurídicos das corporações mundiais foram criados por necessidade. O departamento jurídico comumente era foi visto como um centro de custos, defendendo processos potencialmente onerosos contra a empresa da forma mais eficiente possível e garantindo que as transações e outras questões contratuais fossem estruturadas adequadamente.

Os departamentos jurídicos, no entanto, não costumavam focar em certos litígios, porque os riscos financeiros e outros necessários para rentabilizar o ativo eram considerados demasiado elevados, principalmente em situações com orçamentos mais apertados e com uma maior pressão sobre todos os departamentos. Conforme a publicação, os departamentos jurídicos corporativos têm potencial para se tornarem geradores de receita se conseguirem monetizar com sucesso potenciais litígios como demandante, sugerindo que advogados internos busquem identificar possíveis reivindicações de alto valor e a mitigar uma ampla gama de riscos internos e externos, à medida que formalizam um programa para iniciar litígios do lado do demandante, com recursos provenientes de fundos de investimento para financiar seus litígios.

Enfim, são muitos temas que serão tratados nesta coluna envolvendo Special Situations, com a finalidade de compartilhar informação e conhecimento em algo ainda tão novo no Brasil, mas que no exterior tem sido altamente disseminado. Espero que gostem da coluna, pretendo construí-la com textos curtos, porém trazendo o que tenho visto de mais interessante no Brasil e exterior.


Acesse o artigo original no site Migalhas: https://www.migalhas.com.br/coluna/special-situations-e-financiamento-de-litigios/413522/um-pouco-do-dia-a-dia-de-special-situations

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