POR MICHAEL ALTIT E ELI LORIA | 15/09/2015 – JORNAL VALOR ECONÔMICO
Os Estados têm captado recursos de longo prazo no mercado de capitais por meio de operação denominada “Securitização de Dívida Ativa”, a qual não se confunde com a antecipação de receitas orçamentárias (ARO) operações de empréstimo garantidas, nos termos do art. 167, IV, da CF, por receitas futuras de impostos.
Para tanto, cederam direitos creditórios tributários, com fatos geradores já ocorridos, para sociedades de propósito específico não dependentes, por esses controladas, recebendo recursos financeiros e títulos subordinados de emissão dos cessionários. Sendo realizada em caráter definitivo e sem direito de regresso, a cessão dos créditos tributários é uma alienação patrimonial e não uma operação de crédito sujeita à Lei de Responsabilidade Fiscal e à Resolução 43 do Senado Federal (Parecer PGFN 1579/14).
Todavia, o TCU questionou o enquadramento dessas operações como “operação de crédito” para os fins da LRF. Para dirimir esta dúvida, o Senado Federal, por meio da Res. 11, de 31/08/15, alterou a Res. 43 “para permitir que as estruturas de Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC), com base em recebíveis originados pelo parcelamento de dívida ativa, não sejam consideradas e enquadradas como operação de crédito”.
A União também poderia utilizar essa alternativa para captar recursos tanto no Brasil quanto no exterior
Apesar da intenção do legislador em prover segurança jurídica e permitir à União, Estados, Distrito Federal e municípios captarem novos recursos sem infringir a LRF, entendemos que a Res. 11 precisa ser aperfeiçoada para que seus objetivos sejam atingidos. Ao invés de determinar que a cessão definitiva de recebíveis tributários cujo fato gerador já tenha ocorrido (performados), inscritos ou não em dívida ativa, não seja enquadrada como operação de crédito, optou-se por acrescentar novo inciso VII ao art. 5o da Res. 43. Nos termos da alínea “a” do inciso VII do referido artigo, não foi vedado aos entes da federação ceder créditos tributários parcelados inscritos em dívida ativa desde que (i) o fluxo de recebimentos esteja compreendido no mandato do chefe do poder Executivo e (ii) a cessão seja definitiva e não implique garantia na hipótese de inadimplemento por parte do contribuinte.
O legislador foi feliz ao estabelecer a condição prevista no item (ii) acima. É na restrição temporal e na aparente contradição entre a alínea “a” do inciso VII e o §2o, ambos do art. 5o da Res. 43, que reside o problema. Por exemplo, a prevalecer a dicção da alínea “a” acima referida, prefeitos poderiam utilizar livremente os recursos captados somente se decorrentes da cessão de créditos tributários vincendos no período remanescente de seu mandato, ou seja, até dezembro de 2016. A cessão de fluxos posteriores seria apenas possível caso os recursos da cessão sejam direcionados para a capitalização de Fundos de Previdência ou a amortização de dívidas com a União.
Por outro lado, prevalecendo a nova regra do § 2o do art. 5o, qualquer receita proveniente de securitização de dívida ativa deverá ser destinada obrigatoriamente à capitalização de fundos de previdência ou na amortização extraordinária de dívidas com a União.
Sem prejuízo de discussões acerca da constitucionalidade da Res. 11, o legislador optou por aplicar aos créditos tributários inscritos em dívida ativa (performados) o mesmo tratamento dado à cessão de fluxos de recebíveis decorrentes de royalties e participações especiais (futuros). Essa equiparação não se justifica. Enquanto estes representam uma expectativa de titularidade de futuros governos, os créditos de dívida ativa foram gerados no passado e não entraram nos cofres públicos em razão do inadimplemento dos contribuintes.
Quando da revisão da Res. 43 deveria ser esclarecido: (i) se as novas regras aplicam- se somente a estruturas de securitização por meio de FIDC ou outro veículo de
securitização, pois a ementa da Res. 11 refere-se ao FIDC sem que seu texto o mencione; e (ii) que todo e qualquer crédito tributário e não tributário, cujo fato gerador já tenha ocorrido, parcelado ou não, inscrito na dívida ativa do ente federado ou reconhecido pelo contribuinte ou devedor mediante parcelamento, possa ser objeto de cessão, independentemente do veículo de securitização utilizado, desde que a cessão seja realizada em caráter definitivo e não implique compromisso de garantir o recebimento do valor do crédito cedido em caso de inadimplemento.
Por fim, assinalamos que somente Estados e municípios têm se utilizado da securitização de recebíveis como forma de captar novos recursos. A própria União, por seu turno, em consonância com as restrições orçamentárias e determinações da LRF, também poderia utilizar-se dessa alternativa para captar recursos tanto no Brasil quanto no exterior.