POR ELI LORIA E DANIEL KALANSKY | 12/11/2018 – JOTA
Recentemente, a Lei 13.655/2018 alterou de forma relevante a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB). Embora o tema tenha interessado fortemente aos tributaristas, as alterações na LINDB são aplicadas indistintamente à Administração Pública e, assim, devem também ser examinadas no âmbito dos processos administradores sancionadores julgados em matéria de direito societário e mercado de capitais.
Como pouco se falou sobre o tema em relação a referidas matérias, nada mais propício que tratar agora sobre a relevância das alterações na LINDB para o direito societário e mercado de capitais.
Ora, por integrarem a Administração Pública, é certo que as novas regras previstas na LINDB deverão ser aplicadas tanto à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) quanto ao Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional (CRSFN). Mas o que poderia mudar nos julgamentos dos processos sancionadores por parte da CVM e do CRSFN?
Essas novas regras impõem, por exemplo, a observância das consequências práticas de decisões, tomadas em âmbito administrativo, que sejam baseadas em valores jurídicos abstratos. Vejamos mais detalhadamente.
O artigo 20 da LINDB estabelece que as decisões não podem se basear em “valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão”. Nesse sentido, deverão ser demonstradas a necessidade e a adequação da medida imposta, inclusive em face de possíveis alternativas.
O julgador, ao dar concretude a um dever abstrato imposto pela norma em determinado julgamento, deve avaliar o impacto dessa decisão nos demais participantes do mercado, ou seja, os custos que tal decisão ocasionará a quem atua no mercado de capitais. Por exemplo, ao tratar de dever de diligência do administrador, deve-se tomar cuidado para que a decisão imposta pelo julgador não tenha um impacto de afastar bons candidatos para exercer o cargo de conselheiro.
Importante também mencionar os artigos 23 e 24 da LINDB. De acordo com esses dispositivos, a decisão que estabelecer nova interpretação ou orientação sobre norma de conteúdo indeterminado, impondo novo dever ou novo condicionamento de direito, deverá prever regime de transição, quando indispensável para que o novo dever ou condicionamento de direito seja cumprido de modo proporcional, equânime e eficiente, sem prejuízo aos interesses gerais.
Além disso, deverão ser levadas em conta as orientações gerais da época. Consideram-se orientações gerais, por sua vez, as interpretações e especificações contidas em atos públicos de caráter geral ou em jurisprudência judicial ou administrativa majoritária, e as adotadas por prática administrativa reiterada e de amplo conhecimento público.
Podem ocorrer discussões com o ente regulador em que os dispositivos supostamente desrespeitados não estavam claros, principalmente quando estamos tratando de julgamento por parte da CVM com base em conceitos abertos ou em regras de conteúdo indeterminado.
Ocorreram casos em que o acionista votou, sendo constatado posteriormente pela CVM que o mesmo não poderia ter votado na referida assembleia, porque estava em suposta situação de conflito de interesses, em que eventualmente não havia um entendimento uniforme no órgão julgador ou em casos nos quais a doutrina estava dividida, havendo uma controvérsia jurídica.
Não raro, também, deparamo-nos com ocasiões em que se está examinando a função e papel dos gatekeepers no mercado, seja em oferta de valores mobiliários, seja em sua atuação como agentes dos fundos de investimentos. A responsabilidade do gestor, custodiante e administrador está bem delimitada no nosso ordenamento jurídico? Será que a função de cada agente está totalmente delimitada e explicada na regulamentação?
Os julgadores devem atentar para não condenar um profissional ou uma sociedade que tomou sua decisão com base no posicionamento do órgão regulador à época dos fatos, ou que pautou sua atuação em norma de interpretação ainda não delimitada, pois, dependendo da situação, poderá afastar do mercado agentes importantes que, com base na decisão, passem a não atuar em atividades anteriormente exercidas, porque o conteúdo da norma não era claro no momento da suposta infração.
Já vimos na CVM e no CRSFN casos em que o entendimento sobre um determinado assunto mudou no decorrer dos anos. A LINDB, com tais dispositivos, buscou conferir maior segurança jurídica, deixando claro que fatos já consumados não podem ser reinterpretados à luz de novo entendimento jurisprudencial.
As novas diretrizes decisórias estabelecidas por esses dispositivos devem ser levadas em conta pelos julgadores nos processos sancionadores em matéria de direito societário e mercado de capitais. As alterações nas regras da LINDB são de total relevância e certamente propiciarão uma reflexão intensa por parte dos julgadores nas decisões dos processos sancionadores.